Com uma nova técnica de cultivo, o Sul de Minas quer se tornar mais um polo brasileiro na produção de vinhos - ALÔ ALÔ CIDADE

Com uma nova técnica de cultivo, o Sul de Minas quer se tornar mais um polo brasileiro na produção de vinhos

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Região investe em rótulos tintos e brancos, mas missão de competir com importados não será fácil

20/05/2014 12:13

Os parreirais de shiraz, em Andradas: espaço para as uvas nas fazendas de café - Fotos: VejaBh

Cachos carregados de uvas shiraz, cabernet sauvignon e chardonnay aguçam o desejo de degustar uma taça de vinho na charmosa região de noites frias. Uma situação corriqueira se a cena se passasse em um vinhedo na França, na Itália ou no Chile. Não é o caso. A paisagem cheia de videiras é o novo retrato do Sul de Minas, que quer se tornar mais um polo de produção de tintos, brancos, rosés e espumantes de qualidade no país. Terra de bons cafés, queijos e cachaças, nosso estado vem buscando seu lugar na enologia brasileira graças a uma nova técnica de cultivo, desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Pelo menos dez fazendeiros da região estão aplicando o método, que consiste na inversão dos ciclos de poda e colheita das uvas para produzir os chamados vinhos de outono. 

O rótulo pioneiro - o Primeira Estrada, da Fazenda da Fé, em Três Corações - chegou ao mercado em 2010 e pode ser encontrado em supermercados e restaurantes da capital. Outras marcas, que descansam em barricas de carvalho nos municípios de Andradas, Cordislândia, Três Pontas e Caldas, começam a chegar às gôndolas até o fim do ano.

A ideia de cultivar vinhedos em uma região tradicionalmente cafeeira nasceu em 2000, quando o engenheiro agrônomo e pesquisador da Epamig Murillo de Albuquerque foi à França para um pós-dou­torado em viticultura e enologia. Em Bourdeaux, ele percebeu que a colheita das uvas coincidia com o período mais seco do ano, justamente o oposto do que ocorria no Sudeste brasileiro. Por aqui, as videiras atingiam o ápice da produção no verão. "O excesso de chuva e as altas temperaturas prejudicam a maturação da fruta, e a grande quantidade de água no solo dilui os açúcares e polifenóis, que dão a qualidade do vinho", explica Albuquerque. 

Tentar uma inversão no ciclo dos parreirais foi a solução idealizada por ele. A nova técnica prevê duas podas anuais, em janeiro e agosto, e não apenas uma, como se costumava fazer. 

Assim, os cachos começam a se formar em março e são colhidos no fim do outono. "Dias ensolarados, noites frias e solo seco são condições perfeitas para o vinho fino."
As primeiras mudas, importadas da França, foram plantadas no Sul de Minas em 2001, na Fazenda da Fé. O proprietário, Marcos Arruda Vieira, conhecido pela produção de café e leite, reservou 1 hectare para testes com quatro variedades de uva - a shiraz foi a que teve a melhor adaptação. Três anos depois, teve início a colheita. Para garantir o processamento da fruta e a produção do vinho, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) financiou a montagem, em Caldas, de uma vinícola experimental, que custou 5 milhões de reais. Há quatro anos, o que era apenas um teste se transformou em negócio, com o lançamento do rótulo Primeira Estrada. "É um shiraz surpreendentemente elegante, com frescor e equilíbrio", conta Carlos Arruda, consultor de vinhos do supermercado Verdemar, uma das redes que comercializam o tinto por aqui. Em endereços como Verdemar e Casa Rio Verde, o primeiro vinho fino mineiro custa em torno de 70 reais a garrafa - um valor alto, se comparado ao de rótulos importados. Segundo o fabricante, o preço elevado é consequência da baixa escala de produção. Em restaurantes como Taste-Vin, Vecchio Sogno e Trindade, a garrafa sai, em média, por 110 reais. "O Primeira Estrada tem personalidade forte e é comparável a produtos de qualidade feitos no Brasil, mas é caro", diz Danio Braga, presidente da Associação Brasileira dos Sommeliers. "Por causa do preço, dificilmente conseguirá competir no mercado com chilenos, argentinos, franceses e italianos."
Não há dúvida de que existe um longo e acidentado terreno a percorrer para que os tintos nacionais conquistem um lugar de honra na mesa dos brasileiros. Iniciativas mais antigas, como a da Serra Gaúcha e do Vale do São Francisco, até hoje são classificadas como medíocres. Da produção nacional, a única exceção positiva, que consegue algum reconhecimento no exterior, é a dos espumantes. Não por acaso, essa é a grande aposta da Fazenda do Porto, em Cordislândia. Um pouco mais barata, na faixa dos 50 reais a garrafa, a primeira safra comercial do rótulo Luiz Porto terá 12 000 unidades, feitas com uvas chardonnay. "Já vendemos cachaça do nosso alambique e vamos aproveitar o relacionamento com restaurantes e casas especializadas para apresentar também nossos vinhos finos", afirma a enóloga Isabela Peregrino, que prepara ainda o lançamento de um tinto. Outro vinho do Sul de Minas que está prestes a sair das barricas é o Maria Maria, da Fazenda Capetinga, em Três Pontas, com três variações: tinto e rosé, de shiraz, e branco, de sauvignon blanc. A expectativa é que o preço nas gôndolas fique em torno de 70 reais a garrafa. A bebida é vista como uma alternativa comercial para crises na venda de café e cereais, as principais lavouras da Capetinga. "Trata-se de um negócio lucrativo que queremos duplicar nos próximos anos", diz o dono da fazenda, Eduardo Junqueira Nogueira Júnior.

Embora os exemplos brasileiros de sucesso sejam escassos, o otimismo por aqui é enorme. 

Por causa do êxito da técnica de dupla poda, a Casa Geraldo - uma das grandes fabricantes de vinho do país, com lavouras no Rio Grande do Sul e em Minas e uma produção anual de 2,6 milhões de litros - pretende ampliar sua oferta de bebidas finas, que hoje representa apenas 30% do volume total. Sócios da empresa, os mineiros Luiz Henrique, Carlos e Michel Marcon reservaram 17 000 pés de uva da plantação em Andradas para testes com a nova forma de manejo. "O Brasil ainda se orgulhará dos vinhos do Sul de Minas", garante Michel. Tomara que sim. Tim-tim.

Produção mineiraAs videiras se espalharam pelo Sul de Minas nos últimos treze anos. Confira os números

200 hectares de vinhedos foram plantados na região desde 2001. A uva shiraz prevalece nos parreirais5 000 garrafas de vinho serão produzidas por hectare até 2016, totalizando uma fabricação de 750 000 litros por ano70 reais é o preço médio do rótulo pioneiro, o Primeira Estrada, em supermercados e casas especializadas de BH110 reais é o valor médio da garrafa no cardápio de restaurantes da capital

O teste do chefConfira a avaliação do tinto Primeira Estrada feita pelo chef Rodrigo Fonseca, dono do restaurante francês Taste-Vin
Aroma: de média intensidade, com bom frutado que lembra amoras e um toque de especiariasPaladar: frescor e acidez em equilíbrio, com média persistência na boca
Harmonização: combina bem com filé-mignon, cordeiro, aves - em especial pato, codorna e galinha-d’angola - e bochecha de porco.

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